Nascido em Buenos Aires, Jorge Luís Borges (1899-1986) viveu em várias casas na cidade. Entre 1938 e 1943, ele morou na rua Anchorena, 1672, onde escreveu “Las ruinas circulares”. No local está hoje instalado o museu da Fundación Internacional Jorge Luis Borges, criada em 1988 por sua viúva, María Kodama.
Na casa está a biblioteca do escritor e os livros por ele publicados (muitos em primeiras edições), vários escritos utilizando pseudônimos ou em colaboração com amigos como Silvina Ocampo e Adolfo Bioy Casares. Entre os volumes, traduções de suas obras, reproduzidas em mais de 35 idiomas. Lembrei-me de “A Biblioteca de Babel”:
Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.
Nas paredes, destaque para suas condecorações e diplomas, com ênfase para os prêmios: Internacional de Literatura (1956), Formentor (1961), Cervantes (1979). Além disso, armários expõem objetos pessoais do autor: talismãs, bengalas, caixas, livros raros. Eles são organizados formando coleções, talvez em coerência com a alcunha de “anarquista conservador” com que o argentino se definia. Impossível percorrer a casa sem pensar nas palavras do autor.
No piso superior a fundação recriou o quarto do escritor quando morou na rua Maipú, 994. Ligando os pavimentos, uma escada quase em caracol, em madeira escura, me atraiu especialmente. Ela já existia quando o escritor ali morou. Lembrei que Borges herdou do pai uma doença degenerativa, tornando-se cego aos 50 anos; ou seja, quando morou naquela casa tinha visão reduzida. Para minha surpresa me desliguei da visita e comecei a imaginar como teria sido uma pessoa com visão reduzida percorrer diariamente aqueles degraus em leque.
O realismo fantástico de Borges mistura tempo e espaço, ficção e realidade, memória e amnésia, sonho e realidade; ele está recheada de espelhos, labirintos, relógios e, sobretudo, escadas.
A força do dia fez com que me refugiasse numa caverna; no fundo havia um poço, no poço uma escada que se abismava até a treva inferior.
Cautelosamente a princípio, com indiferença depois, com desespero por fim, errei por escadas e pavimentos do inextricável palácio.
Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, quiseste que me perdesse num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros.
Quase inevitavelmente veio a minha mente o conto O Aleph (definido pelo escritor como “o ponto de onde é possível se ver todos os outros pontos do universo”), e o momento em que o protagonista o encontra, justamente ao descer a escada que levava ao porão de um casarão que seria demolido.
Desci secretamente, rolei pela escada proibida, caí. Ao abrir os olhos, vi o Aleph.
Teria justamente a escada que eu agora via levado Borges a imaginar o impossível que se materializaria no livro publicado em 1949? Não tenho essa resposta, mas me permiti sonhar com daquela escada, e fazê-la símbolo de todas as outras.
Claro que creio nos sonhos. Sonhar é essencial, pode ser a única coisa real que exista.
Finalizando a visita ao museu, mais um espaço Aleph: um salão que expõe trabalhos inspirados na obra borgeana, definindo diálogos entre o escritor e artistas plásticos contemporâneos, como Damián Escobar, Gustavo Cabriada e Juan Pita, entre outros. Um local para saborear arte e pensar as infinitas possibilidades de (re)leitura de uma literatura que se renova continuamente, como também demonstram as crianças que frequentam o espaço infantil do centro cultural.
Por vezes, à noite, há um rosto que nos olha do fundo de um espelho; a arte deve ser como esse espelho que nos mostra o nosso próprio rosto.
Após sair da casa-museu, continuei a (re)encontrar Jorge Luís Borges na capital argentina: um Busto no Rosedal de Palermo; uma Estátua de Borges e Casares no Café La Biela; uma escultura na Biblioteca Nacional; a réplica do jardim-labirinto de Mendoza que se encontra no Tigre (um dia irei conhecer o original); muitas fotos e alusões diretas e indiretas. Buenos Aires mantem forte a memória o filho querido.
Somos nossa memória, somos esse quimérico museu de formas inconstantes, esse monte de espelhos rotos.
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Olá! Essa informação está equivocada, Borges não morou na casa que hoje abriga a Fundação Borges, mas sim na casa ao lado, 1670, onde escreveu o seu conto “Las ruínas circulares”.
Cleide, foi a informação que deram no tour. Obrigada por compartilhar seu conhecimento.